pelo professor BND Marcus Vinícius Matos
A tensão entre o sistema jurídico moderno e o ideia de justiça é constitutiva da própria Teoria do Direito. A justiça é uma ideia perturbadora para o ordenamento jurídico. As saídas encontradas pela filosofia do direito foram de três tipos. Em primeiro lugar, retirá-la da ciência normativa do Direito, como fez Hans Kelsen. Em segundo, negar a sua existência, como fizeram os Realistas. E, por fim, reduzir sua dimensão ao processo, como propuzeram tanto Lon Fuller quanto Gustav Radbruch.
No entanto, nem o ceticismo nem o formalismo se mostraram como defesa suficiente para os problemas causados pela tentativa de abandonar o conceito de justiça. Ora, talvez exista de fato um senso de justiça humano, universal, que nos permite dizer que é pior causar a injustiça do que sofrê-la. Mas como seria possível defini-lo?
Luiz Alberto Warat certa vez apontou para a importância das noções estéticas na construção de uma ética para o direito. Segundo ele, a imagem que temos da justiça (uma mulher cega, com balança em uma mão e a espada desembainhada em outra) é a de uma justiça monstruosa. A ideia do juiz neutro, cego, distante das partes, seria uma construção das Revoluções Liberais, mas que precisaria ser revista. Os juízes, nesse raciocínio, precisariam ter os “olhos abertos”: ser sensíveis ao mundo, as partes, as lutas e dores.
Entretanto, não é fácil operacionalizar tal projeto. Diante das inúmeras dificuldades que ele levanta, as duas soluções mais recorrentes foram a do Positivismo Jurídico e a do Realismo Jurídico. A primeira, procura anular o valor da justiça como uma questão exterior ao direito. A segunda, encabeçada não apenas por Oliver Holmes Jr, como também por Jerome Frank, alimenta um ceticismo ríspido contra as normas, as regras e os fatos, abrindo mão de qualquer possibilidade de produzir justiça. Mas estas tentativas claramente não esgotaram o problema.
O ressurgimento do Jusnaturalismo, no colo da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, reascendeu o debate sobre o papel do conceito de justiça. Uma injustiça muito grande, afirmava Radbruch, deve causar espanto e suspender a aplicação fria das normas. Esse raciocínio, contudo, só viria a ser operacionalizado por uma proposta de legalidade e de garantias processuais fundamentais, como desenvolvido por Fuller no seu debate com Hart.
Talvez, seja no paradigma dos Direitos Humanos de 1968, e da evocação dos princípios constitucionais sobre as normas jurídicas (como em Brown vs Board of Education) que se encontre a chave para o problema da justiça, diante do que sabemos hoje. O Direito é certamente mais do que o seu valor semântico, como na ferroada de Dworkin; é certamente mais do que a moral e a política; mas é certamente menos do que a plenitude da justiça. Esta deve ser um guia para o jurista, um ponto de partida inalcançável, uma perturbação constante, e nunca uma utopia possível de ser domada. Afinal, como afirma Dworkin, trata-se do “mais abstrato dos conceitos políticos”.